quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Devaneios acerca do imprevisível

Nossa vida é uma aposta constante contra infinitas possibilidades arquitetadas pelo universo. Algumas pessoas brincam constantemente com o fato de que, em alguns minutos, podem não mais estar vivas. Porém, se considerarmos uma quantidade realmente infinita de possibilidades, isso é verdade.

Sob esse ponto de vista, é bastante interessante lembrar das poéticas frases que nos dizem para viver cada minuto como se fosse o último, ainda que sempre hajam pessoas que, justamente justificando a falta de tempo, como se soubessem o amanhã, queiram usar esse argumento para fazer qualquer besteira que lhes passa à cabeça, descrevendo apenas como aventura, como experiência.

Mas afinal, até que ponto isso tudo é válido? Até que ponto podemos simplesmente ignorar o que há ao nosso redor e justificar com um "alea jacta est" ou algo do estilo?

Para dissertar um pouco sobre isso, tomei como referência um homem que, desde que nasceu, vive apenas "jogando seus dados contra o destino", em suas próprias palavras: Leonard Mlodinow.



"Sabe, devo agradecer ninguém menos do que Hitler pela minha existência."

Calma. Ao contrário do que a frase acima implica, ele não é um neo-nazista, nem nada do tipo. Leonard tem 45 anos e é Ph.D em Física. É autor de uma coluna no jornal New York Times, e co-autor do renomado livro "Uma Breve História do Tempo", ao lado de ninguém menos que Stephen Hawking. E foi um dos responsáveis pelo roteiro de MacGyver. Sim, aquele mesmo que fazia explosivos usando chicletes, clipes e papel (ou algo assim).

O motivo para a bizarra frase citada lá em cima é o fato de que ele considera que seu jogo de dados vem desde antes de seu nascimento -- seus pais se conheceram em Nova York, fugindo do Holocausto de Hitler após emigrarem do país. E ele considera que, se Hitler não houvesse existido, por conta dessa seqüência de fatos, ele também não estaria entre nós.

Ele também é uma das pessoas que, de alguma forma (ou melhor, sorte, como fora dito na época), escapou do atentado de 11 de Setembro. Tudo explicado pelo imprevisível.

Leonard lançou um livro que foi publicado recentemente no Brasil, chamado "O Andar do Bêbado", no qual descreve como o fator do imprevisível pode mudar qualquer coisa em nossas vidas, até mesmo uma partida de futebol -- já que eventos como esse dependem de uma série de fatores que sofrem uma infinita probabilidade não determinada de falha: mudanças mínimas na direção do vento, o fôlego do jogador, o clima, a disposição. Um milímetro a menos ou um mínimo de força a menos podem definir a diferença da direção da bola, num jogo.

As nossas vidas sofrem o mesmo tipo de acaso, partindo do princípio de Leonard -- temos dias bons e dias ruins, e vários fatores, inclusive a emoção, influenciam em cada segundo do nosso dia. E o acaso representa o papel daquilo que não podemos controlar, como se fosse um RNG (Random Number Generator). O acaso é o responsável por somar todos esses fatores e nos levar em direções, que podem ser ruins, ou boas, ou o que fizermos delas.

De conceitos como esse é que existe também a palavra serendipity (aportuguesada para serendipidade), que significa algo bom que veio de forma inesperada, um imprevisto de sorte, ou qualquer outra denominação. É dessa forma que muitas vezes conhecemos pessoas, mudamos conceitos, ou simplesmente temos um dia melhor do que milhares de outras possibilidades diferentes.

A questão verdadeira é: até que ponto o acaso é realmente aleatório? Já que, se pararmos pra pensar, temos o controle de muitas coisas e simplesmente nos recusamos a tomar suas rédeas pensando no que "a sorte nos reserva"?


"Espera, como assim?"

Indo além das teorias de Leonard, e quebrando alguns paradigmas, se utilizarmos a lógica, o acaso é mais ou menos como uma forma de "piloto automático". Ele está lá, de certa forma, fazendo com que coisas aconteçam independente de ações nossas, e independente de querermos ou não.

Ainda que isso signifique que existem muitas partes da nossa vida em que acontecem coisas das quais não podemos sequer ter uma parcela de culpa, isso também abre uma premissa de que podemos, de certa forma, "controlar o acaso".

Sob meu ponto de vista, o mundo funciona sob dois pesos diferentes, num princípio de ação e reação: o peso de um acontecimento indefinido, e o peso da reação que temos diante desse acontecimento, ambos formando um todo.

O que é intrigante porém é que essa reação, quando sabemos considerá-la como a maior parte disso, e o acontecimento em si como apenas um décimo disso tudo, é capaz de alterar a maneira como a realidade se desenvolve.

Simples: tudo nesse mundo é relativo. A intensidade dos acontecimentos, a passagem do tempo. E a relatividade se transforma numa reação constante quando lidamos com o acaso, e principalmente com outras pessoas. Não podemos simplesmente considerar a nossa maneira do universo funcionar, nem acreditar que as coisas podem funcionar em função única de outros universos além do nosso. São possibilidades sim.

Mas pra quê, se no final das contas, os dados são jogados por nós?

O imprevisível está lá, enfim, para nos lembrar de que temos rédeas a tomar em nossas vidas, e pra nos presentear com eventuais tesouros ou baldes de água-fria quando sentimos que nossas opções se esgotaram.

Acredito que essa maneira de tecer a fábrica do nosso mundo é bem mais sensível do que simplesmente considerar teorias matemáticas, e talvez mais correta, quem sabe.


"Admiro suas histórias sobre o tempo e o mundo, Stephen Hawking... mas não dessa vez."


Para dar um pouco de subjetividade, acredito que haja uma frase que foi refrão de uma música do Titãs que explique bem o princípio lógico por trás de tudo isso:

"O acaso vai me proteger, enquanto eu andar distraído."

Já que na dura realidade ele nem sempre protege -- o que você está esperando pra fazer funcionar o mundo que está à sua volta? Ás vezes os dados já estão jogados na nossa mesa, apenas esperando nossa distração passar.

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